Diversidade, preconceito e o sistema de pontos.

Uma das razões que me levaram a sair do Brasil para trabalhar em Londres, foi a visão do CEO da companhia (uma multinacional) que desejava ter no Head Office do Grupo representantes dos principais países onde a empresa operava. Boa idéia, não é? Racionalmente todos aceitavam o princípio de que uma maior diversidade no escritório central, resultaria numa maior compreensão das diferentes culturas e perspectivas, trazendo como consequência uma maior integração da equipe global. Fazia todo sentido. Em teoria.


Na prática, a coisa se mostrou um pouco mais complexa. Uma das coisas que eu percebi logo no início foi que poucas pessoas tinham real interesse em conhecer a minha cultura ou se beneficiar da minha perspectiva ‘diversa’. Outros tantos cultivavam idéias preconcebidas a meu respeito. E estas idéias eram resultado de conceitos estereotipados sobre ‘quem são’ ou ‘como se comportam’ os Latino Americanos. “Não, eu não sei dançar samba”, “Sim, eu sou super pontual e trabalho duro”, eu explicava. E, é claro, demonstrava.

Muito se falava sobre a importância de se ‘abraçar a diversidade global‘ no Head Office, mas como a cultura organizacional era predominantemente ‘local‘, muitas vezes as atitudes no dia-a-dia entravam em conflito com o discurso. Havia uma pressão velada para a ‘estandardização’. E o padrão a ser seguido, é claro, era a cultura da maioria. Quanto antes o ‘estrangeiro’ se tornasse um ‘local’, melhor. Era como se fosse uma orquestra onde todos tocavam um instrumento só. Com tantas ‘sonoridades’ disponíveis, eu achava que era um grande desperdício. Quando o Presidente recebia atualizações sobre o projeto, certamente veria um aumento no percentual de diversidade na Matriz, mas na prática, muito pouco estava mudando.

Como no início eu não conhecia ninguém, a batalha pra ser ‘ouvida’ era grande. Eu sabia que meus inputs eram relevantes, então concluí que o problema era de outro tipo. Depois de ver minhas observações sendo educadamente ignoradas enquanto outras perspectivas eram entusiasticamente aplaudidas (mesmo quando não faziam muito sentido), eu imaginei que o preconceito estava alimentando um tipo de ‘sistema de pontos‘ invisível. Funcionava assim: quando uma pessoa chegava para uma reunião, os outros participantes atribuíam a ela uma pontuação baseada nos seus preconceitos (conscientes ou inconscientes) em relação a gênero, nacionalidade, posição hierárquica. Dependendo da quantidade de pontos positivos ou negativos que uma pessoa recebesse, seria mais (ou menos) provável que tivesse seus inputs considerados ou aceitos pelo grupo. Por exemplo, uma pessoa com muitos pontos negativos teria sua idéia descartada ‘sem dó nem pena’. Quanto a mim, eu sentia que perdia dois pontos por ser mulher e mais dois por ser Latino Americana. pelo menos eu sabia que tinha que lutar quatro vezes mais pra ser ouvida! Eu contei pra outros expatriados sobre essa idéia do ‘sistema de pontos’ e muitos deles me disseram que sentiram algo semelhante. Uma coisa importante de mencionar é que a literatura/pesquisa sobre preconceito de gênero é super vasta, mas pouca coisa foi escrita sobre o preconceito de nacionalidade. A minha opinião é que essa é uma área onde há muito ainda para fazer.

Com o tempo (e com a ajuda de um coach) eu compreendi melhor e me adaptei ao novo contexto. Criei relacionamentos e me senti mais incluída. Aprendi muito. Foi nesse período que comecei a me interessar pelas relações inter-culturais em ambientes de trabalho e pelos fatores que contribuem na adaptação de expatriados. Hoje sei que essa adaptação pode ser otimizada com uma preparação prévia, não só dos ‘expats’, mas também das equipes locais. Conversar abertamente sobre estereótipos e ‘preconceitos inconscientes’ (que aliás todos temos) é também uma grande oportunidade de aprendizado para todos. Hoje existem muitas iniciativas nesse sentido. Outro dia eu vi um vídeo de treinamento sobre Preconceitos Inconscientes para as equipes do Facebook, que eu recomendo muito. Segue o link: https://managingbias.fb.com (está disponível apenas em inglês)

Se você quer saber mais sobre como o trabalho com um Parceiro de Transição pode ajudar a adaptação de expatriados, entre em contato comigo.

Boa semana! Até terça-feira que vem.

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